Alcoolismo – uso de álcool por diferentes comunidades humanas remonta a milhares de anos, sendo utilizadas para várias finalidades a depender da cultura: motivos religiosos, para recreação, para alterar estados de consciência e para tratamento para alívio da dor ou do sofrimento.
Pesquisas arqueológicas indicam que a cerveja e o vinho de mirtilo são usados desde 6400 a.C. Já a primeira referência às bebidas destiladas apareceu na China por volta de 1000 a.C.
Desde o início de seu uso, o álcool tem sido uma faca de dois gumes para as sociedades humanas: por um lado, as bebidas alcoólicas tem desempenhado um papel importante em ocasiões sociais (cerimônias religiosas, casamentos e funerais), consideradas não prejudiciais para as pessoas e positiva para as sociedades neste aspecto.
Mas, por outro lado, alguns indivíduos consumiam o álcool em grandes quantidades e como consequência, causavam problemas de saúde para si próprios e para o seu grupo de convívio. Este excesso é algo subjetivo, alguns podem apresentar danos com uma única dose enquanto outros podem consumir várias doses para sentir os prejudiciais efeitos do álcool.
Os problemas com álcool ocorrem em situações de “beber pesado” (BP) que são aquelas que ultrapassam o limite da Organização Mundial da Saúde (OMS). Apesar da influência genética que afeta a tolerância ao álcool, a OMS estabelece como consumo aceitável o limite de 15 doses/semana para homens e 10 doses/semana para as mulheres. Acima disso, é considerado consumo alcoolismo.
Outro padrão, o “beber pesado por episódio” (BPE), também denominado binge drinking, foi criado a partir de evidências científicas crescentes do aumento de risco quando o consumo de bebida alcoólica exceder a cinco doses em uma única ocasião por homens ou quatro por mulheres, pelo menos uma vez nas últimas duas semanas.
O DSM-V possui uma seção chamada “Transtorno por uso de substâncias”, em que se encaixa o uso abusivo de álcool, isto é, um padrão problemático de uso que leva a comprometimento ou sofrimento clinicamente significativo.
Ademais, o uso excessivo do álcool também está relacionado com problemas sociais, tais quais: disfunções familiares, aumento da violência, agressividade, acidentes de trânsito e estupros ou assédio sexual, entre outras situações que o uso demasiado de álcool pode expor o sujeito.
O álcool é classificado como uma substância depressora, ou seja, possui um mecanismo de ação que, em geral, resulta na diminuição da atividade cerebral, especialmente de algumas áreas específicas.
Isso se dá pelo seu caráter de agonista GABAérgico, o qual resulta na entrada de íons cloreto na célula, hiperpolarizando a célula nervosa. Além disso, o álcool também age no sistema glutamatérgico, por meio da inibição dos receptores NMDA, o que deprime ainda mais as atividades cortical e subcortical.
Somado a isso, ainda há o fator da fácil dissolução do álcool em membranas lipídicas, permitindo, além de sua fácil passagem pela barreira hemato-encefálica, a interferência nas reações químicas intracelulares. Isso reduz a eficiência da condução de impulsos nervosos ao longo do axônio, resultando em menor amplitude do potencial de ação quando o impulso chega no terminal sináptico.
O vício em álcool é provavelmente potencializado pela sua ação no sistema dopaminérgico mesolímbico, aumentando a liberação de dopamina no núcleo accumbens. Em outras palavras, há uma sensação de prazer com a ingestão moderada de álcool.
A quantidade necessária para obter os mesmos efeitos, porém, aumenta com o tempo por causa dos mecanismos compensatórios do cérebro, os quais envolvem plasticidade neural e, em grande interação com o álcool, o fator de liberação de corticotropina.
O etanol interage com esse fator de maneira a reduzir seu efeito no sistema de estresse, presente, por exemplo, na amígdala, o que aumenta a sensação de bem-estar físico e mental. A longo prazo, essa interação modifica a homeostase basal do sistema nervoso, chegando na alostase e, assim, causando sintomas de abstinência toda vez que há a retirada aguda do álcool, pois diversas vias estão alteradas funcional e fisiologicamente.
Existem evidências de que o álcool inibe vias inibitórias do córtex pré-frontal, responsável por, entre outras funções, planejar ações, tomar decisões e impedir comportamentos inapropriados, o que resulta na desinibição comportamental observada após a ingestão de bebidas alcoólicas.
Além disso, a falta de coordenação motora em conjunto é produto da interação neurotóxica do álcool com o cerebelo, o qual contribui para o equilíbrio adequado, a postura corporal e o tônus muscular. A formação prejudicada de memórias de longo prazo é devida à diminuição de redes neurais criadas em decorrência dos receptores NMDA não estarem desempenhando bem, resultando em memórias confusas, blecautes e flashes de momentos.
A Síndrome de dependência é um transtorno complexo e multifatorial, que se estabelece ao longo da vida por conta da interação de causas biológicas e culturais. É importante destacar que essa dependência não se limita apenas à química, como a neuroadaptação do corpo à droga, mas também da organização e do resultado desse consumo.
Ou seja, é um processo de aprendizagem que se retroalimenta, já que faz com que o organismo abafe os sintomas da abstinência, consumindo a bebida em doses cada vez maiores.
Esse processo de aprendizagem marca a transição entre um consumo normal de álcool e um estado dependente da substância. Em se tratando da manutenção de um comportamento, podem ser considerados dois tipos de processos: o reforçamento positivo (um efeito recompensador, que pode induzir o comportamento, como a euforia induzida pelo álcool) e o reforçamento negativo (o alívio de um estímulo aversivo, ou um estado emocional negativo).
Ambos os processos têm grande influência na manutenção do comportamento de consumo de álcool, no entanto, sua participação é diferente em diferentes fases do desenvolvimento da dependência.
Em estágios iniciais de consumo normal, o comportamento é motivado pelo reforçamento positivo, pela sensação de prazer ocasionada pela ativação do sistema dopaminérgico mesolímbico.
Porém, o consumo frequente leva a um aumento da tolerância e sensibilização, ocasionando uma mudança na homeostase do sistema nervoso, como já comentado anteriormente, o que pode causar efeitos de abstinência quando há ausência de álcool. Nesse momento, o processo de reforçamento negativo, ou seja, o alívio dos sintomas de abstinência do álcool.
Esse reforçamento negativo perpetua o consumo dependente de álcool através de uma busca compulsiva pela substância, isto é, um comportamento perseverante que ignora as consequências negativas. Tendo isso em vista, se tornam mais claros os critérios de diagnóstico nos principais manuais:
A síndrome de abstinência alcoólica (SAA) é o conjunto de manifestações causadas pela suspensão abrupta (total ou parcial) de consumo do álcool em pacientes com uso crônico da bebida, levando a sinais e sintomas específicos.
É caracterizada por ser um distúrbio com gravidade variada, desde leve ou moderado até uma condição grave e potencialmente fatal, a depender dos órgãos comprometidos pelo consumo de álcool e das complicações decorrentes do alcoolismo, podendo ocasionar transtornos de natureza orgânica e psiquiátrica.
Com efeito, o quadro clínico é diverso, considerando o histórico do paciente e as comorbidades associadas. Mas, ilustrativamente, os principais sintomas são: ansiedade, irritabilidade, depressão, fadiga, confusão mental, oscilações de humor, pesadelos, anorexia e outras intercorrências alimentares, pele viscosa, dor de cabeça, agitação, insônia, dilatação das pupilas, náuseas, vômito, taquicardia, sudorese, tremores, diarreia, febre, convulsões, hipertensão, ataques de pânico e até alucinações.
O alcoolismo é uma doença cujos tratamentos para dependentes formam um universo amplo de possibilidades, e incluem um grande número de variáveis. As terapias são diversas e por mais que o alcoolismo possa parecer um problema único e idêntico para os pacientes, cada um sofre dele de uma forma diferente, com distintos vícios ou desordens concomitantes.
Entre as perspectivas de tratamento de dependentes, os grupos terapêuticos ocupam um papel central. São vários exemplos de comunidades, sendo a mais conhecida a Alcoólicos Anônimos (AA), que trabalha na perspectiva de 12 passos e tem como objetivos a abstinência e a sobriedade.
Os grupos em geral, como também os grupos terapêuticos orientados por uma abordagem cognitivo-comportamental, se organizam em torno de reuniões entre os membros nas quais eles discutem entre si suas experiências, dificuldades e vitórias.
A dependência associada a mais de uma substância ou a um transtorno mental também é um ponto importante no tratamento. No caso do álcool a principal substância associada é o cigarro. Um estudo mostrou que em pessoas com dependência em álcool, 50% das mortes têm causas associadas ao cigarro, em comparação a 34% de causas associadas ao álcool.
Essa questão é valiosa porque demonstra que na maioria dos casos vencer o alcoolismo não é uma tarefa única, cigarro e outras substâncias estão muito envolvidos nesse aspecto. Sobre isso, a literatura ainda sugere que largar as duas drogas ao mesmo tempo pode ser benéfico
.
No âmbito dos transtornos mentais, ser afetado por uma doença mental pode intensificar as questões da dependência alcoólica. Pessoas com transtorno de ansiedade têm de duas a cinco vezes mais chance de ter problemas com álcool ou outras drogas.
Um segundo exemplo: evento traumático aumenta significantemente o risco de usar algum tipo de substância, e o próprio uso da substância pode desencadear um novo evento traumático, formando um ciclo de trauma e dependência. Soma-se a isso o fato de pessoas traumatizadas frequentemente usarem substâncias na tentativa de escapar de seus problemas.
Esses são só alguns exemplos de como questões de saúde mental também estão relacionadas à dependência e, portanto, considerá-las no tratamento é importante.
Para reduzir os sintomas de retirada do álcool e possíveis convulsões, podem ser usados benzodiazepínicos, porém com os devidos cuidados para serem descontinuados gradativamente devido ao fato de também causarem dependência.
Após a desintoxicação, pode ser usado o dissulfiram para auxiliar na terapia comportamental, desde que não seja um paciente com doença coronariana ou cerebrovascular devido ao risco de hipotensão.
Finalmente, para ajudar na manutenção da abstinência, tão logo esta seja alcançada, indica-se o uso de acamprosato pelo período de um ano.
É importante salientar que a consulta a um profissional especializado, como um psiquiatra, pode ajudar no delineamento de uma estratégia para lidar com o transtorno. Por isso, em caso de dúvidas, entre em contato médico.
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